Estamos a um ano para a implementação da RDC 646, de 24/03/22, que entrará em vigor no dia 01/11/23 e revogará as RDCs 432 de 04/11/20 e 499 de 27/05/21.
Estas RDCs são resultantes da ação civil pública do estado do Rio de Janeiro, processo no 2008.51.01.028713-6, atribuindo a ilegalidade da RDC 211/2005, que internaliza as GMC 26/2004 e GMC 26/2004, normas harmonizadas no âmbito do Mercosul. Nestas resoluções do Grupo do Mercado Comum (GMC) ficou harmonizado, entre outros requisitos, que todos os Estados Partes do Mercosul devem utilizar a nomenclatura INCI – International Nomenclature of Cosmetic Ingredient, para identificar os ingredientes da fórmulados produtos de higiene pessoal, perfumes e cosméticos - (HPPC).
O Ministério Público do Rio de Janeiro não aceitou nenhuma das alegações da ANVISA em defesa da manutenção do INCI como descrição dos ingredientes da fórmula, alegando que a norma é ilegal, pois viola o Código de Defesa do Consumidor, impondo graves prejuízos aos consumidores:
diz o Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Após vários anos de batalha judicial e trânsito em julgado da sentença, foi determinada que a ANVISA cumprisse a seguinte obrigação:
“Assim, com a inadmissão dos Recursos Especiais e Extraordinários pela Vice-Presidência do TRF da 2ª Região e o posterior trânsito em julgado das respectivas decisões de improvimento dos Agravos interpostos pela ANVISA e pela ABIHPEC perante o STF e o STJ, verifica-se que já se operou coisa julgada sobre o acórdão acostado às fls. 211/234, complementado via Embargos de Declaração às fls. 272/277, em que o E. TRF deu provimento ao apelo do MPF e à remessa necessária, “para que a ANVISA edite norma no sentido da obrigatoriedade da utilização da língua portuguesa na descrição dos componentes dos produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes” (fl. 231).
Faz-se necessário, nesse momento, lembrar os objetivos do Mercosul, do qual o Brasil é signatário:
O Tratado de Assunção, internalizado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 197, de 25 de setembro de 1991, tem como objetivo:
“A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente.”
“A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes. “
“O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais.”
“O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”.
O Protocolo de Ouro Preto, adicional ao Tratado de Assunção, estabelece a Estrutura Institucional do Mercosul, internalizado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 188, de 15 de dezembro de 1995:
Estabelece o Protocolo de Ouro Preto:
“A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "Estados Partes",
Em cumprimento ao disposto no artigo 18 do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991;
Conscientes da importância dos avanços alcançados e da implementação da união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum;
Reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e atentos para a necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do Mercosul;
Atentos para a dinâmica implícita em todo processo de integração e para a consequente necessidade de adaptar a estrutura institucional do Mercosul às mudanças ocorridas;
Reconhecendo o destacado trabalho desenvolvido pelos órgãos existentes durante o período de transição,
Acordam:
Capítulo I
Estrutura do Mercosul
Artigo 1º
A estrutura institucional do Mercosul contará com os seguintes órgãos:
I. O Conselho do Mercado Comum (CMC);
II. O Grupo Mercado Comum (GMC);
III. A Comissão de Comércio do Mercosul (CCM);
IV. A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);
V. O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES);
VI. A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).
Parágrafo único - Poderão ser criados, nos termos do presente Protocolo, os órgãos auxiliares que se fizerem necessários à consecução dos objetivos do processo de integração.
Artigo 2º
São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul.
Seção I
Do Conselho do Mercado Comum
Artigo 3º
O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum.
Artigo 8º
São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum:
I. Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;
II. Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum;
III. Exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul.
IV. Negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do artigo 14;
V. Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum;
VI. Criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas;
VII. Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los;
VIII. Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões;
IX. Designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul.
X. Adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária;
XI. Homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum;
Artigo 9
O Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante Decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados Partes.
Artigo 37
As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes.
Artigo 38
Os Estados Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2 deste Protocolo. Parágrafo único - Os Estados Partes informarão à Secretaria Administrativa do Mercosul as medidas adotadas para esse fim.
Artigo 40
A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados Partes das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento:
i) Uma vez aprovada a norma, os Estados Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul;
ii) Quando todos os Estados Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado Parte;
iii) As normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados Partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais.
Fontes Jurídicas do Mercosul
Artigo 42
As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país.
Ora, com base no artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto, a RDC 211/2005, que internaliza as resoluções GMC 26/2004 e 36/2004, agora modificada por força da ação do MP por meio da RDC 432/20 e 499/21, as quais serão revogadas em 01/11/23 pela RDC 646/2022, fica evidente a violação unilateral do Brasil às normas harmonizadas do Mercosul.
Os demais Estados Partes do Mercosul: Argentina, Paraguai e Uruguai cumprem integralmente as resoluções GMC 26/2004 e 36/2004, não requerendo a tradução para o idioma espanhol dos ingredientes da fórmula dos produtos de HPPC.
Assim, fica evidente o estabelecimento de barreira não alfandegária para a livre circulação de mercadoria no âmbito do Mercosul, obrigando os países signatários do Mercosul a terem que incluir a tradução dos ingredientes da fórmula para o português quando da exportação de seus produtos para o Brasil. Esses países não exigem que os produtos de HPPC brasileiros, exportados para eles, tenham a tradução dos ingredientes da fórmula para o espanhol.
A ABC – Associação Brasileira de Cosmetologia e a ABAS – Associação Brasileira de Aerossóis e Saneantes Domissanitários, com apoio das entidades coirmãs da Argentina, estão questionando o Brasil na Comissão de Comércio do Mercosul sobre a legalidade das RDCs 432/20 e 499/21, solicitando que estas sejam revogadas ou pelo menos eliminada a necessidade da tradução dos ingredientes da fórmula para o português.
As normas harmonizadas no Mercosul, conforme estabelecido pelo Tratado de Assunção e pelo Protocolo de Ouro Preto devem ser internalizadas integralmente, não podendo ser modificadas unilateralmente por nenhum dos Estados Partes.
A inobediência unilateral de normas harmonizadas no Mercosul viola os objetivos do Mercosul e traz insegurança jurídica para as empresas do setor de HPPC.
Igualmente, a ABC e a ABAS estão trabalhando na ação de conteúdo semelhante que está no TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO – SP-(PROCESSO Nº 0000357-43.2009.4.03.6111).
Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça, no referido caso, determinou que o TRF se manifeste justamente sobre os Embargos de Declaração não apreciados pelo Tribunal, que trata da eventual infração do Brasil em relação ao Protocolo de Ouro Preto.
Solicitamos pedido de assistência litisconsorcial, para podermos contribuir com informações que possam dar suporte para a decisão desta ação em São Paulo, com a forte esperança de termos uma decisão favorável ao nosso pleito.
Área de Assuntos Regulatório da ABC:
João Hansen
Mara Licco
Maria Luisa Batistic
Fabiana Assis
Luiz Marinello
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